Os ambientes da ciência e da intelectualidade: ontem e hoje
Liceu do Ceará
A criação do Liceu do Ceará, a primeira escola secundarista do Estado, ou melhor, a criação de um ambiente propício à formação de intelectuais enfrentou resistência na Fortaleza do século XIX. O Presidente da Província – antigo título do governador – oficiava assim ao Ministro do Império, em 1834: “Seria eu inconsequente, quando não inconsiderado, se me pronunciasse pela criação de um Liceu”.
A justificativa estava naquela mesma carta de 8 de abril. Receita e despesa do Estado não fechavam. Havia um déficit nas contas públicas para as despesas ordinárias, o que levava o Conselho da Província, mecanismo análogo à Assembleia Legislativa, a propor o “insuportável” tributo de 12% ao algodão de exportação e 18% à cachaça de consumo.
Segundo o pesquisador Julio Filizola Neto, que estudou o Liceu no trabalho “O Liceu do Ceará e as Políticas Educacionais”, a polêmica se deu não apenas pela fragilidade financeira da Província, mas principalmente pela falta de prioridade à educação. Rondava sempre a ideia de que instrução formal era despesa e não investimento, segundo ele. A força do colégio criado pelo senador Pompeu foi tão grande que modernizou, enriqueceu e povoou o bairro da Jacarecanga.
Havia poucas escolas primárias. As aulas eram ministradas em diferentes lugares e dependiam exclusivamente da vontade do professor. “A educação cearense no século XIX foi um negócio largado, improvisado, sem um ponto de vista consistente”, analisa.
Por isso, só mesmo dez anos depois daquela troca de ofícios seria aprovada a lei número 304, regularizando o educandário. Em 15 de julho de 1844, o Liceu do Ceará, sediado em Fortaleza, serviria como um centro de aglutinação de professores e alunos. Apesar da oposição inicial, foi se firmando ao longo do tempo.
“Ser professor do Liceu virou status para qualquer pessoa. Os principais homens públicos eram professores de lá”, acrescenta. Para se ter uma noção, Tomás Pompeu de Sousa Brasil (1818-1877), futuro senador da República, diretor quando o Liceu começou a funcionar em 19 de outubro de 1845, era lente de História e Geografia.
O colégio não se restringiu apenas às camadas abastadas da sociedade cearense. “Há exemplos de classes baixas e médias que tinham destaque intelectual e conseguiam passar nos exames de admissão”, comenta. O filósofo Farias Brito (1862-1917), oriundo de família pobre, e o futuro governador Justiniano de Serpa (1852-1923), também de origem humilde, formaram-se no Liceu. Nesse contexto, a escola ajudou a “criar uma cultura de elite, de uma elite intelectual”, afirma Filizola.
E durante muito tempo, até a década de 1960, o Liceu continuava sendo referência. Mas o intenso fluxo migratório ao longo do século XX, que fez a capital explodir, virou o jogo contra o colégio. Fortaleza passou de 180 mil, segundo dados do censo, para 270 mil habitantes já no final da década de 1950. Um aumento de 90,5%. O número de alunos do Liceu acompanhou o ritmo e mais que quintuplicou no primeiro governo de Virgílio Távora (1963-1966). De três mil chegou a contar, incluindo os vários anexos, 19 mil estudantes.
A política de democratização massiva e rápida do ensino foi um dos golpes na imagem imaculada do Liceu. Filizola cita outro, diretamente decorrente do primeiro: para atender à demanda intensa, havia a inevitável necessidade de contratação de muitos professores – por vezes menos qualificados que os antecessores. “Muitos não tinham sequer terminado a faculdade”, acrescenta.
E ainda outro motivo: a política, implantada em 1971, acabou a modalidade científica de ensino e apostou na profissionalização do discente. “O aluno do Liceu deixou de se preocupar em ir para o Ensino Superior e passou a tentar adquirir uma profissão, mas, no fim, nem houve profissionalização e ainda impediu os alunos de ingressar na Universidade”, analisa.
As outras escolas
Seminário da Prainha
Aos poucos, foram surgindo outras instituições de ensino. A Escola Normal, destinada à formação de professoras, diploma a primeira turma de sete moças em dezembro de 1884, no mesmo ano em que abre as portas. Como explica Plácido Aderaldo Castelo no livro “História do Ensino no Ceará”, esse educandário, por ter sido importante na reforma educacional operada por Justiniano de Serpa entre 1920 e 1923, acabou sendo batizado e conhecido até hoje por seu nome.
A Escola Militar do Ceará, instituída em 1889, incumbida de educar o futuro profissional militar, mostrava-se combativa politicamente, contribuindo inclusive na deposição, em 1892, do presidente Clarindo de Queirós. Extinta em 1897, seria substituída em 1919 pelo Colégio Militar do Ceará, também desmantelado, dessa vez, pelo Estado Novo em 1938.
Segundo a pesquisadora Simone Mesquita, o Colégio Militar de Fortaleza que conhecemos atualmente, posto em prática em 1962, é herdeiro dessas duas outras escolas. “Desde o início, as pessoas que entravam recebiam uma formação geral e integral. Passavam o dia na escola. E viam disciplinas com conteúdo de conhecimentos específicos, mas também trabalhavam a parte afetiva e social. Eles sempre mantiveram o elo com a sociedade”, conclui Mesquita.
Junto com o Colégio Imaculada Conceição, o Seminário da Prainha permitiu, como escreve Castelo, “a formação de uma elite a tal ponto que se tornara credencial, mesmo para o egresso da Prainha, o dizer que ali estudara”. O Seminário passou a ser procurado como um dos meios legítimos para se conquistar cultura literária e humanística. A carreira eclesiástica, durante muito tempo, era a única possível que se abria aos filhos do povo.
Saber técnico-científico
Colégio Militar
Com o crescimento populacional e econômico de Fortaleza na transição entre os século XIX e XX, a cidade demandava cada vez mais um corpo de cientistas e intelectuais que se debruçassem sobre os problemas que a modernidade fatalmente apresentava. Terminando o Ensino Médio, os estudantes cearenses eram obrigados a debandar para se bacharelar em Recife ou no sul do país.
A carência de Ensino Superior por aqui seria suprida apenas em 1903 com a concepção da Faculdade de Direito. Mas é em 1955 que as Faculdades fundadas independentes, como também a de Medicina e a de Farmácia e Odontologia, conjugam-se na Universidade Federal do Ceará (UFC). A reitoria da instituição, a princípio estabelecida no Centro, como recorda Antonio Martins Filho em seu “História Abreviada da UFC”, logo seria levada ao Benfica.
Lá, “ricos bangalôs, autênticas mansões, dentre as quais avultava a esplendorosa moradia do senhor José Gentil”, destaca, no livro “Ah, Fortaleza!”, o jornalista Blanchard Girão. Em 1909, José Gentil, banqueiro e dono de imobiliária na capital, comprou uma chácara, loteou terrenos, edificou vilas e sedimentou ruas. Àquele novo bairro deu um nome que deriva do seu, Gentilândia. Pois muitas dessas enormes construções passaram a equipamentos da Universidade.
O panorama vai ganhando matizes mais modernos e industriais. De acordo com o professor do departamento de Geografia da UFC, José Borzacchiello Silva, a industrialização que Fortaleza assume na década de 1950 gera um segmento de classe média arrojado, dinamizador da administração e da cultura locais. Há uma expansão urbana nunca vista até então.
Esse afluxo de pessoas pluralizou a cidade e o saber técnico-científico que se tinha sobre ela. A tendência científica atual, com conhecimentos cada vez mais especializados, aprofunda-se não apenas nos 64 cursos da UFC. A Universidade também oferta ferramentas de aprendizado e pesquisa como o Instituto de Ciências do Mar (Labomar), responsável por estudos de biologia marinha. O Ceará conta, ainda, com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), em funcionamento em 1982, com o objetivo de preservação do acervo cultural e arquitetônico da região.
Fonte: Anuário de Fortaleza 2012-2013. O POVO Agosto/2012.
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