Palácio da Luz sede da Academia Cearense de Letras
A estátua da escritora Rachel de Queiroz guarda uma passagem. Sentada num dos bancos da Praça dos Leões, a cearense está a meio caminho entre duas instituições importantes para a história da cidade de Fortaleza: de um lado, a Academia Cearense de Letras, fundada em 1894, portanto três anos antes da Brasileira, e assentada no Palácio da Luz; de outro, o Museu do Ceará, surgido em 1932, ocupando o Palácio Senador Alencar. As escadas de entrada do Palácio Senador Alencar conduzem o visitante a um lugar múltiplo: ali, onde a Assembleia Provincial aprovou a primeira Constituição do Estado em 1891, o Museu do Ceará, que completa 80 anos em 2012, agora ocupa as várias salas e pavimentos. A Academia é símbolo da efervescência literária e artística da época; o Museu é consequência dos debates intensos sobre identidade, que se davam nos planos nacional e regional.
Esses equipamentos são tributários do que o historiador Raimundo Girão destaca em seu “Geografia Estética de Fortaleza como nossa Renascença”, o ciclo mais conhecido por Belle Époque. Sobre isso, o professor do departamento de História da Universidade Federal do Ceará, Sebastião Ponte, observa bem: “Fortaleza ostenta várias faces. Sua face mais antiga não está representada por ícones coloniais ou datados do início do século XIX e sim por aqueles provenientes do período que medeia o final do século XIX e começo do XX”. Provém daí a maioria dos bens tombados pelo patrimônio histórico como importantes na formação e afirmação da identidade local.
Essa época é pródiga, porque Fortaleza se tornou entreposto natural das mercadorias provenientes do interior. O porto, que ia da Praia Formosa ao Poço da Draga, posteriormente expandido com a construção da Ponte Metálica, escoava a produção de algodão e enriquecia os negociantes daqui. Esse comércio fortaleceu a burguesia alencarina que necessitava, como consequência, de uma expressão simbólica de seu poderio econômico.
Todos os equipamentos criados então, como afirma Ponte, “são a materialização dos anseios que as elites políticas, econômicas e intelectuais locais tinham no sentido de modernizar e civilizar a cidade e sua população”. Era uma espécie de euforia dos setores urbanos com o que se produzia na Europa, tanto na ciência como nas artes, e a tentativa de mimetizar isso nos trópicos. Durou de 1860 a mais ou menos 1930.
Fortaleza mudou de feição. O urbanista Adolfo Herbster disciplinou o traçado urbano na forma de tabuleiro de xadrez e abriu três grandes avenidas – a do Imperador, Duque de Caxias e D. Manoel – até hoje importantes na cidade. Chegaram por aqui o telefone (1883), os cafés afrancesados na Praça do Ferreira, os bondes por tração animal (1880) e elétricos (1913). Os primeiros automóveis ronronam pelas ruas em 1909 e, em 1920, já eram 300 veículos.
“Os homens de saberes racionais se reuniram nas academias científicas para interpretar o Ceará e fomentar o seu progresso material e tecnológico. Escritores e artistas buscaram entender a alma cearense e desenvolver o espírito das artes e da cultura em uma cidade que, justamente, tornava-se mais e mais material e racional”, destaca Ponte.
Das letras e ciências
Os futuros acadêmicos estavam lá, no salão de honra da Fênix Caixeiral – uma associação de várias classes de trabalhadores que financiava atividades artísticas, esportivas, educacionais e financeiras. Era gente como Justiniano de Serpa, futuro governador do estado em 1920, e o médico e historiador Guilherme Studart, o barão de Studart.
No documento que sairia desses homens naquela tarde, estava escrito, mantendo a grafia da época: “Examinar e emitir parecer sobre teorias, problemas e questões da actualidade; acompanhar o movimento intelectual dos povos cultos, adaptando ao nosso meio as idéias que parecerem mais úteis ao seu melhoramento e ao engrandecimento do espirito humano; estabelecer palestras e conferências; trabalhar pelo levantamento da instrucção, maximé do ensino profissional”.
Em breves linhas, a ata de fundação da então Academia Cearense condensava muito explicitamente o momento. Não queriam ser apenas para-raios das criações alheias e havia uma preocupação a um só tempo artística e científica. Os acadêmicos se dispunham a pensar o mundo, sob o prisma da arte, mas também das ideias. E isso até aconteceu.
Barão de Studart escreveu livros de História e Geografia. José Carlos da Costa Ribeiro Júnior, também um dos fundadores, dividiu sua obra entre versos, prosas e pensamentos sobre a realidade. Antônio Bezerra de Menezes deixou, além das liras e dos folhetins, a “Descrição da Cidade de Fortaleza”, importante para se entender o percurso histórico da capital cearense.
Conforme o médico José Murilo Martins, que escreveu junto com Regina Pamplona Fiúza o livro “A Academia Cearense de Letras e o Palácio da Luz”, a “fase inicial da Academia foi bastante ativa, mas aos poucos foi se esvaziando por morte ou mudança de endereço dos acadêmicos para outros estados”.
“A partir de 1902, não há mais registro de sessões realizadas e a atividade da instituição resumia-se à publicação anual da sua revista”, acrescenta Martins. Foram necessárias três reorganizações, uma em 1922, outra em 1930 e a terceira em 1951, para que a Academia se tornasse o que é hoje – instituição que, ademais dos projetos de incentivo à leitura, abriga também outras associações e academias que carecem de sede própria.
Nesse ínterim, a Casa Juvenal Galeno, bem ali na rua General Sampaio, acabou se convertendo também em atrativo para a intelectualidade do Ceará nas décadas de 1930 e 1940. Os saraus literários animavam as noites da província. O lugar recebia novos nomes, como o escritor Moreira Campos. O movimento modernista, que já havia abocanhado seu espaço por conta da Semana de Arte Moderna de 1922, avançava por aqui com o mesmo Grupo Clã de que Campos fazia parte.
A casa tem dez cômodos. Foi onde o próprio escritor Juvenal Galeno educou os sete filhos e também onde resolveu tocar para frente a instituição em 1919. A biblioteca tem 18 mil volumes no acervo – junção das obras adquiridas em vida por Galeno e outras tantas doadas por Mozart Monteiro. Evidentemente, não era apenas a palavra escrita que entretinha e informava.
Theatro José de Alencar
Nos palcos
O poeta Otacílio de Azevedo se derrama em relação ao primeiro espetáculo encenado no Theatro José de Alencar (TJA), em 17 de setembro de 1910. “Inútil adjetivar o trabalho de Leopoldo Fróes e Lucília Pérez. A peça foi um delírio e o público aplaudiu de pé, longamente”, escreve no livro “Fortaleza descalça”. No palco principal, os atores faziam O Dote, texto de Artur Azevedo. Otacílio tinha sido convidado pelo cenógrafo Gérson Faria e assistiu à apresentação das torrinhas, “uma espécie de terceira classe destinada aos de parcos recursos”.
Mais do que com a peça, ele ficou impressionado com o teatro. “Deslumbrou-nos de início o pano de boca, pintado pelo artista Herculano Ramos, que teve como auxiliar um rapazinho estudante do Liceu, cujo nome era [o futuro escritor e membro da Academia Brasileira de Letras, o cearense] Gustavo Barroso”, brinca. “Do lugar onde estávamos, aspirávamos o cheiro das tintas a óleo do enorme casarão, pintado recentemente”, descreve.
Três meses antes, quando o governo do Ceará inaugurou o teatro, narra ele que “o povaréu não continha o entusiasmo”, porque, na antiga praça Marquês de Herval, hoje José de Alencar, um conjunto de fogos de artifício se estampou em meio às estrelas “num verdadeiro milagre pirotécnico”.
O teatro desvairou a pequena terra da luz. “Vai Fortaleza possuir um theatro, uma casa de espetáculos vasta e confortável, que não a envergonhará aos olhos do estrangeiro. O Theatro é um elemento de civilização e progresso”, animava-se também o teatrólogo Carlos Câmara na coluna que assinava no jornal A República.
Era essa a linha de argumento pró-teatro dos apoiadores do segundo governo Nogueira Accioly (1908-1912) – e, por incrível que pareça, dos opositores também. Segundo Sebastião Ponte, até eles se renderam ao que pontuavam como “escola de costumes, arte e civilização”. O imperativo civilizador esmagava as desavenças políticas.
O TJA, dizia o ator e diretor B. de Paiva em 1969, o que também vale para os dias de hoje, “é ainda o tradicional centro de atividades cênicas da capital do Ceará”. E continua: “É um teatro pré-fabricado, todo em ferro, que ninguém sabe a que estilo pertence. Fica na praça mais barulhenta da urbe, onde param todos os coletivos que deságuam para os bairros de toda a cidade”.
Cine São Luís
Nas telas
Não havia motivo para se entediar no início do século XX em Fortaleza. Se não fosse a programação domingueira do Theatro, os filmes muito bem podiam substituir as fofocas no portão e os passeios para tomar uma fresca.
Para rivalizar com os cinemas amadores e móveis, o primeiro cinema fixo de Fortaleza, o Cinematographo Art-Noveau, do italiano Victor Di Maio, foi inaugurado em 1907. Em 1909, surgem mais dois: um do também italiano Mesiano e outro do cearense Júlio Pinto, ambos na rua Major Facundo. “Quintino Cunha, repentista impertinente, costumava dizer que o cinema no Ceará era de tempo: ‘de maio’, ‘de julho’ e de ‘mês e ano’”, diverte-se Mozart Soriano Aderaldo em “História Abreviada de Fortaleza”.
Com o Cine Majestic, segundo Aderaldo, alterou-se de fato a rotina interiorana das rodinhas nas calçadas em 1917. O Cine Moderno frequentavam “as melhores famílias da terra”, após a inauguração em 1921. Já o Cine Diogo passou a emocionar os rapazes de paletó bem cortado e a assustar as moças de saia rodada a partir de 1940.
Sem contar as várias salas de bairro, como o Cine Jangada, o Aratanga, o Atapu, comandados pelo empresário Amadeu Barros Leal; ou o Cine Arte, onde é hoje o estacionamento do Instituto José Frota, no centro da capital. Existia também o Cine Messejana, o Parangaba, o Benfica, o Cine Familiar. Incontáveis. Fortaleza se apaixonou pela tela grande, pelos faroestes norte-americanos e pelas películas de amor que aqui e acolá vinham da Europa.
Mas foi mesmo o Cine São Luiz, inaugurado na Praça do Ferreira em 1958, três anos depois de um incêndio que vitimou o Majestic. O São Luiz era disputadíssimo. Na sessão de domingo, a sociedade ia como se estivesse saindo para uma festa. Os vestidos e as joias eram os melhores.
Do mais badalado, transformou-se ao longo dos anos numa espécie de estorvo patrimonial. Depois de um tempo administrado pelo SESC, o São Luiz foi finalmente comprado pelo governo do estado por R$ 2,2 milhões em 2011. Os andares do prédio acima do cinema hoje abrigam a Secretaria de Cultura (Secult). Sobre o desinteresse que fez a sala já ter estado prestes a ganhar outra serventia que não a cinematográfica, Nirez tem uma aposta.
“Naquela época, [o cinema] era o principal atrativo. A partir dos anos 1960, ele passou a concorrer com a TV. Faziam novela ao vivo com atores locais. As pessoas já podiam ficar em casa. Poucos anos depois, chegou o vídeo-tape e vieram programas do sul. As pessoas se acomodaram e os cinemas foram se esvaziando. Essa foi a principal razão”, opina.
O PROFESSOR EXPLICA
O Palácio da Luz foi a primeira sede do governo do Estado, antes de tornar-se residência de intelectuais (Academia Cearense de Letras), e chegou a ter como dirigente figuras poderosas e marcantes, como o político Nogueira Accioly. Já o Palácio Senador Alencar foi sede da Assembleia Legislativa Estadual, que está hoje na avenida Desembargador Moreira.
Antônio Pinto Nogueira Accioly, nascido no Icó, teve sempre sua vida envolvida com a política, foi advogado, gerando uma possibilidade quase natural para ser político. Naquela época, casou-se com a filha do Senador Pompeu, dona Maria Teresa e, com isso, ingressou nas legislaturas de vez, primeiro sendo vice-governador e depois tornando-se governador durante dezesseis anos(1896-1912).
Comentários do Professor de história, André Rosa.
Comentários do Professor de história, André Rosa.
Fonte: Anuário de Fortaleza 2012-2013. O POVO Agosto/2012
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