Jóias da Memória
Entra na cabine, puxa uma porta, puxa outra. A manivela é quem comanda o destino. Resistindo às caixas metalizadas de proteção automática e painéis inteligentes, Fortaleza ainda sobe andares em elevadores do passado. Um deles continua firme depois de um século.
Muitos já se foram para a modernidade. Alguns, porém, com a história que carregam, continuam em segurança. “Antigamente, as coisas eram feitas para durar a vida inteira”, comenta Neudson Braga, professor aposentado de Arquitetura da Universidade Federal do Ceará.
A Reitoria da UFC abriga um dos mais antigos elevadores residenciais da Capital, segundo Neudson, desde a construção da chácara que havia ali, em 1918. “Não tenho informação de outra residência nessa época que tenha um elevador, talvez esse tenha sido o primeiro”, sugere.
Todo mês, para garantir a longevidade, ele é vistoriado, mas ninguém lembra a última vez em que teve de ser consertado. Nele, só cabem três pessoas. O forte não é a velocidade, mas a memória da cidade que já foi antiga.
Instalado em 1898 com cabine de jacarandá e detalhes de bronze, o elevador da Associação Comercial do Ceará (ACC) é um dos mais antigos do Estado, segundo o presidente João Porto Guimarães. “Já sugeriram trocar por outro, mas nós não quisemos. É uma peça antiga, mas não é velha, e eu enxergo como uma joia”.
O maquinário, de acordo com Guimarães, fica longe dos problemas, apesar de passar de 100 anos. Neste tempo, pouco foi trocado, só por segurança. “Ele nunca deu problema. Ainda é mais bonito, melhor e mais seguro que os outros”.
Os elevadores que contam a história um dia foram sinônimo do futuro. “No final do século XIX e início do século XX, a cidade macaqueava as modas estrangeiras, e o elevador não deixava de ser uma delas”, explica Romeu Duarte, professor de Arquitetura da UFC.
Cerca de 50 anos antes, o equipamento fôra criado nos Estados Unidos e se massificou, especialmente em Chicago. As empresas americanas Otis e Atlas eram as principais fornecedoras de elevadores para o País. De lá, vinham para ser instalados nos poucos prédios de Fortaleza, ainda predominantes no Centro. O equipamento da Associação Comercial foi colocado pela Otis, enquanto a Atlas instalou o primeiro por aqui só em 1941, onde hoje é a Superintendência da Polícia Civil, no Centro.
“Tem gente que tem medo de andar nele porque é antigo”, conta Silas Coelho, ascensorista no prédio da Federação das Associações do Comércio, Indústria, Serviços e Agropecuária (Facic). Em 34 anos operando os dois elevadores, não viu nenhum deles parado por mais que uma semana.
E olha que estão por lá desde que “o prédio é prédio”, na década de 1930, segundo Francisco Barreto, presidente da Facic. Um funciona pela manhã, outro à tarde, para que continuem em atividade sem desgastar as peças. “Eles fazem parte da história. Não podemos deixar isso morrer”.
Por Mariana Freire, para o Jornal O POVO
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