Às 7 da manhã, os passageiros formam filas nos terminais de ônibus. No mesmo horário, vindos de Caucaia, usuários do sistema ferroviário da capital cearense descem na Estação Engenheiro João Felipe, no centro da capital cearense. Na avenida 13 de maio, motoristas rumam ao trabalho. Ciclistas cruzam a avenida Washington Soares.
A Fortaleza não é mais aquela visitada pelo britânico Henry Koster, que esteve na colônia do Siará Grande em 1810 e reclamou da “dificuldade de transportes terrestres, particularmente nessa região, e falta de um porto. As terríveis secas afastam algumas ousadas esperanças no desenvolvimento de sua prosperidade”. Contra as evidências, contra o areal que parecia não acabar nunca, contra o sol torrencial, Fortaleza cresceu. Principalmente a partir da segunda metade do século XIX, por conta de um ditame econômico.
O algodão produzido no interior, beneficiado com a crise que abalara o mercado estadunidense do produto, passava pela capital para abastecer em grande medida a indústria inglesa e fomentar o capitalismo europeu. Os ingleses suplantaram as empresas portuguesas na área e os empresários locais se aproveitaram sabiamente da conjuntura para fazer negócios com os anglo-saxões. Foi um período de esplendor financeiro, artístico, urbanístico, científico para Fortaleza.
Mas, por muito tempo, o porto foi de trapiches que se seguravam de pé à revelia do vento. Entretanto, custa até 1906 a construção da Ponte Metálica, erguida em concreto: um escoadouro de mercadorias menos improvisado para uma cidade que tirava sua fortuna da exportação por via marítima.
A Ponte Metálica, na avenida Tamandaré, seria o porto oficial da cidade até a década de 1950 quando a função foi transferida para o Mucuripe, lugar cuja profundidade permitia que se atracassem barcos de maior porte.
Em julho de 1873, dormentes e trilhos, com a Via Férrea de Baturité, passam a ligar o interior à costa – primeiro Baturité, depois Sobral. A importância não se encerrava no simples “advento da máquina”. Era uma mudança de hábitos. O trem compartilhava o jornal, o boato; servia de relógio e de esperança; despertava a necessidade de novos serviços e edificações. “O marco é a inauguração da Estação Central, atual João Felipe [em Fortaleza]”, afirma Nilton Melo Almeida no trabalho “Os ferroviários na cartografia de Fortaleza”.
“Vêm depois, ao sul, a estação da Parangaba, antiga Arronches, inaugurada também em 1873, e, em seguida, as de Mondubim e Maracanaú (1875), Marítima (1878), Pajuçara (1918), Otávio Bonfim (1922) e Couto Fernandes (1940). Ao norte, Antônio Bezerra, Caucaia (1917) e Álvaro Weyne (1926)” completam o quadro.
“A construção da Estrada de Ferro de Baturité e a conexão do trem com o porto marcam o período da economia calcada no cultivo do algodão num contexto muito favorável ao Ceará e a Fortaleza. A cidade abre-se ao mundo e amplia sua relação com o sertão”, explica o professor do departamento de Geografia da Universidade Federal do Ceará (UFC), José Borzacchiello da Silva. Para que os mascates fortalezenses ganhassem dinheiro, o trem teve de se expandir e se conjugar com o porto. Mas acabou ajudando a modernizar a urbe.
Estação Engenheiro João Felipe
Os bondes, os ônibus
Só entrava nos bondes quem estivesse decente. E decente, no vocabulário do século XIX, queria dizer paletó, colarinho, sapato. O aviso servia tanto para o transporte público lançado em 1880, por tração animal, quanto para o elétrico de 1913. Os primeiros bondes, 25 ao todo, com 25 lugares cada, andavam 7500 metros, de meia em meia hora e enquanto houvesse passageiros nas avenidas centrais.
“Os bondes significaram novo e importante espaço de sociabilidade; em livros, jornais e revistas não é raro encontrar referências a conversas e acontecimentos advindos de seus bancos. Foram, assim como as ferrovias, objetivados como signo de modernidade; não é por acaso que pouco tempo depois veio surgir um pasquim intitulado O Bond, contemporâneo de outros ditos jocosos”, explica o professor do departamento de História da UFC, Sebastião Ponte, no volume “Fortaleza Belle Époque”.
Os bondes eletrificados exigiam certas características que a cidade ainda se recusava a ter. As calçadas – e o calçamento – se estenderam ainda mais sobre o areal em brasa; as praças, sem bordas ou limites, foram redimensionadas; e o pedestre se adaptava a um trânsito ainda insipiente.
Segundo Mozart Soriano Aderaldo, no livro “História Abreviada de Fortaleza”, “foi o automóvel que obrigou os administradores a melhorar a pavimentação, imaginando-se a solução provisória do trilho de pedra para ônibus, seguida do piso de concreto e, finalmente, de asfalto”. O primeiro carro chega em 1909; a primeira linha de ônibus, em 1928.
Mais rápido e mais lucrativo, os ônibus aposentariam os bondes em 1947. A Prefeitura vende os trilhos de aço e os fios de cobre e dá fim a uma era. Começava a Fortaleza movida a petróleo. A população se multiplica vertiginosamente. Acompanhe: em 1863, 16 mil habitantes; em 1887, são 27 mil; em 1900, 50 mil; em 1930, ultrapassa os 100 mil; em 1950, 270 mil; em 1960, 500 mil; na década de 1970, bate a casa de 1 milhão.
“O quadrilátero formado pelas avenidas Duque de Caxias, Dom Manuel e Imperador, data de 1875, quando Adolpho Herbster desenhou a Planta Exacta de Fortaleza. Durante muito tempo foram as vias que delimitavam o centro da cidade. As ligações com o sertão foram determinantes neste desenho”, esclarece Borzacchiello. Mas a expansão veloz a oeste e leste desafiava os urbanistas.
Metrofor: começou operar em 2012
Buzinas ao alto
A cidade planejada do final do século XIX perde o prumo já nos anos 1930 e deixa aparecer as primeiras favelas, compostas por migrantes do interior, que vinham fugidos da seca para uma capital abundante em recursos. E o ponto de virada contra o combalido transporte urbano de Fortaleza foi “o processo de industrialização do país e, especialmente, o do Ceará, a partir da década de 1960”, afirma o professor. Vai-se formando aí uma classe média disposta e apta a comprar de tudo – inclusive carros.
“O forte surto de crescimento desse período permitiu a expansão da malha viária da cidade que passou por um enorme esgarçamento com a construção de longínquos conjuntos habitacionais e loteamentos. A dificuldade dos meios de transportes coletivos de atender às demandas cria um enorme desejo pelo automóvel”, pontua.
Atualmente, segundo dados do Departamento Estadual de Trânsito (Detran-CE), em abril de 2012, circulavam 797.053 veículos apenas na capital e pouco mais de 2 milhões no estado inteiro.
Nesse cenário, o setor público se esforça para suportar a demanda. Uma das ações foi a implantação do Sistema Integrado de Transporte (SIT), com terminais de ônibus integrados entre si e valor único da passagem. Hoje, há seis em funcionamento – Siqueira, Parangaba, Lagoa, Antônio Bezerra, Papicu, Messejana.
Também foi colocado em prática a reformulação do SIT. O Transfor, da Prefeitura Municipal, trouxe melhoria de vias, faixas semi-exclusivas, ampliação dos terminais, integração temporal e, junto com o metrô de Fortaleza, se tornaram alternativas à mobilidade na Capital.
O PROFESSOR EXPLICA
A crise do algodão, que sofreu o mercado estadunidense, foi derivada da guerra civil interna, a Guerra de Secessão (1861-1865). Com a luta, os campos de algodão foram prejudicados e o mercado europeu buscou uma nova região para a produção. No Brasil, as principais localidades para a cultura foram Bahia, Maranhão e Ceará.
Antes de existir os , importantes terminais da cidade,o “ponto final” das linhas de coletivos concentrava-se na praça José de Alencar,que foi inteiramente modificada quando todas as linhas foram retiradas.
O arquiteto Adolpho Herbster tem também a sua rua.O bairro que tracionou, que é o Benfica tem uma rua com seu nome,perpendicular a avenida da Universidade,próxima a reitoria da UFC.
Comentários do Professor de história, André Rosa.
Comentários do Professor de história, André Rosa.
Fonte: Anuário de Fortaleza 2012-2013. O POVO Agosto/2012.
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