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quarta-feira, 22 de junho de 2016

A arte dos indígenas brasileiros

O primeiro contato da expedição de Pedro Álvares Cabral com os nativos ocorreu em 1500, na região que viria a se chamar Cabrália, no atual estado da Bahia. De acordo com a Funai (Fundação Nacional do Índio), naquela época a população, indígena seria de 1 milhão a 10 milhões de indivíduos. Hoje, esse número não chega a quinhentos mil, distribuídos por reservas em todo o país.

Essa redução numérica não é, porém, o único fato a causar perplexidade entre os pesquisadores de povos indígenas brasileiros. Assusta-os também constatar a progressiva - e agora acelerada - destruição de culturas que criaram, ao longo dos séculos, objetos de uma beleza dinâmica e alegre, tal como vamos apreciar aqui.

A arte integrada à cultura

A primeira questão que se impõe em relação à arte produzida pelos indígenas é como defini-la ou caracterizá-la entre as demais atividades. Melhor explicando: ao dizermos que um objeto indígena tem "qualidades artísticas", estamos utilizando nosso próprio ponto de vista valendo-nos de critérios da nossa civilização, e não da cultura indígena.

Para eles, qualquer que venha a ser a finalidade de objeto, ele deve ser executado de modo que o resultado seja perfeito. Nessa perfeição, que às vezes vai além da finalidade, reside a noção indígena de beleza.

Objetos indígenas com diferentes finalidades - uma lança cerimonial, um escudo cerimonial ou um banco - podem ser considerados criações artísticas porque são objetos cuja beleza resulta de sua beleza perfeita realização.

Outro aspecto importante da arte indígena é que ela representa mais as tradições de sua comunidade do que a responsabilidade de quem a faz. Por isso, os estilos da pintura corporal, do trançado com fibras e da cerâmica variam significativamente de um povo para outro. Assim, mais que uma "arte indígena", existem "artes indígenas", já que cada povo produz obras muito particulares, de acordo com sua vivência.
A arte no período pré-cabralino

Desde, provavelmente, 1100 a.C., a ilha de Marajó, à nordeste do atual estado do Pará, foi habitada por vários. Para fins de estudos, esses povos foram divididos em cinco fases arqueológica. A fase Marajoara é a quarte, na sequência de ocupação da ilha, mas é sem dúvida a que apresenta as criações mais interessantes.

A fase Marajoara

Os povos da fase Marajoara vieram do noroeste da América do Sul e chegaram à ilha de Marajó provavelmente por volta do ano 400 da nossa era, ocupando a parte centro-oeste da ilha.. Nessa região, construíram habitações, cemitérios e locais para as cerimônias.

Sua produção mais característica foi a cerâmica, dividida entre vasos de uso doméstico e vasos cerimoniais e funerários. Os primeiros são mais simples e geralmente não apresentam superfície decorada. Já os vasos cerimoniais possuem uma decoração elaborada.

                      

                       Urna funerária em cerâmica da fase Marajoara, oriunda da ilha de Marajó, no Pará.

A decoração dos vasos cerimoniais marajoaras era resultante da pintura bicromática ou policromática de desenhos feitos cm incisões (sulcos) na cerâmica e de desenhos em relevo.

Entre outros objetos marajoara, como bancos, colheres, apitos e adornos para orelhas e lábios, as estatuetas com representações humanas despertam interesse especial decoradas ou não, reproduzem a forma humana de maneira estilizada, isto é, sem preocupação em imitar fielmente a realidade. Ainda hoje os estudiosos discutem se seriam objetos de adorno ou teriam alguma função cerimonial.

A fase Marajoara conheceu um lento mas constante declínio até desaparecer em torno de 1350, talvez expulsa ou absorvida por outros povos que chegaram à ilha de Marajó.

A cultura Santarém

Diferentemente do que foi feito em relação à ilha de Marajó, não há estudos sobre possíveis fases culturais dos povos que habitavam a região próxima à junção dos rios Tapajós e Amazonas, no estado do Pará. Todos os vestígios culturais aí encontrados foram englobados em um complexo cultural denominado "cultura Santarém". Também nessa cultura, o destaque é dado à cerâmica.





Vasos zoomorfos da cerâmica santarena.







A cerâmica santarena apresenta decoração bastante completa e refinada; além de pintura desenhos, as peças têm ornamentos em relevo, com figuras humanas ou de animais.

Um dos recursos ornamentais que mais chamam a atenção nos vasos da cultura Santarém é a presença de cariátides: figuras humanas que parecem sustentar ou apoiar a parte superior do vaso.

                                   
                                                                 Vaso de cariátides proveniente de Santarém.

A cultura Santarém produziu ainda cachimbos e estatuetas de formas variadas. Diferentemente das estatuetas marajoaras, as da cultura Santarém são as mais realistas representam com maior fidelidade as formas dos seres.

A cerâmica santarém refinadamente decorada com relevos perdurou até a chegada dos colonizadores portugueses. Por volta do século XVIII, essa cultura foi perdendo suas peculiaridades e sua produção acabou por desaparecer.

A arte indígena depois da chegada dos portugueses

Embora tenham existido muitas e diferentes culturas indígenas, podemos identificar ainda hoje duas grandes modalidades culturais: a dos silvícolas, que vivem nas áreas florestais, e a dos campineiros, que vivem nos cerrados e nas savanas.

As silvícolas praticam uma agricultura desenvolvida e diversificada que, associada às atividades de caça e pesca, lhes permitia ter moradia fixa. Suas atividades de produção de objetos para uso da comunidade também são diversificadas, cerâmicas, tecelagem, trançado de sestos e balaios, entre outros.

Os campineiros têm uma cultura menos complexa e uma agricultura menos variada que a dos silvícolas. Seus artefatos, comunitários são menos diversificados, mas seus cestos e esteiras estão entre os mais cuidadosamente trançados entre os indígenas.

Tanto um grupo como o outro contam com uma ampla variedade de elementos naturais como matéria-prima para seus objetos

                             
                                                                       Remo dos índios Karajá , de Mato Grosso

                                              
                                                              Pá de virar beiju dos Waura, tribo de Mato Grosso

Madeiras, cortiça, fibras, palmas, palhas, cipós, sementes, cocos, resinas, couros ossos, dentes, conchas, garras e belíssimas plumas das mais diversas aves, entre outras matérias-primas: com um material tão variado, as possibilidades de criação de objetos indignas são muito amplas.

A cerâmica

As peças de cerâmica que se conservaram ao longo do tempo testemunharam costumes de diferentes povos indígenas já desaparecidos, numa linguagem artística que nos impressiona. É o caso, por exemplo, das cerâmicas marajoara e santarena. Mas também merece destaque a cerâmica decorada com desenhos impressos por incisão dos Kadiwéu, os vasos zoomórficos dos Juruna e as bonecas de barro dos Karajá.



                     Bonecas modeladas em barro da comunidade dos Karajá, no estado de Tocantins.

O trançado e a tecelagem

Da arte de traçar e tecer, o antropólogo Darcy Ribeiro (1922-1997) destacou realizações indígenas como "as vestimentas e as máscaras de entrecasca, feitas pelos Tukuna e primorosamente pintadas; as admiráveis redes ou maquieiras de fibra de tucum do rio Negro; as belíssimas vestes de algodão dos Paresi que também, lamentavelmente, só se podem ver nos museus".

Alguns exemplos do traçado e da tecelagem indígenas podem ser vistos nas imagens


Com grande disponibilidade de matérias-primas, como folhas, palmas, cipós, talas e fibras, os indígenas produzem uma variada gama de peças de vestuário, cestas e redes, além de peneiras e abanos.

A arte plumária

Expressa em mantos, diademas e colares, essa é uma arte muito especial, por não estar associada a nenhum fim utilitário, e sem, apenas, à pura busca da beleza. É possível que sua função seja também demonstrar o poder e a grandeza de seu usuário.

Um importante exemplo disso é a peça conhecida como "manto Tupinambá", confeccionada pelos Tupinambá no século XVII para uso dos pajés.

                                                    

                 Mantelete tupinambá emplumado, um dos cinco existentes, todos em museus europeus.

Trançado com fibras naturais e penas de guará - ave de plumagem vermelha do litoral norte brasileiro -, esse manto foi levado para a Europa por Maurício de Nassau e dado como presente ao rei da Dinamarca. Pertence até hoje ao acervo do Museu Nacional da Dinamarca, em Copenhague.

Existem dois grandes estilos na arte plumária. Os trabalhos majestosos e grandes, como os diademas, e os delicados adornos de corpo, cuja ênfase maior está no colorido e na combinação das matizes.

Muitas peças de arte plumária têm associados trabalhos com trançados. As penas geralmente são sobrepostas em camadas, como nas asas dos pássaros, trabalho que exige uma cuidadosa execução; é o que se vê no colar Kaapor.

As máscaras

Para os indígenas, as mascaras têm um caráter duplo: ao mesmo tempo que são um artefato produzido por um homem comum, são a figura viva do ser sobrenatural que representam.


Feitas com cascas de árvores, cabaças e palha de buriti, geralmente são usadas em danças cerimoniais, representando personagens da mitologia indígena.

A pintura corporal

O gosto pela pitura corporal está associado á ideia de transmitir ao corpo a alegria contida nas cores vivas e intensas. Por isso, a escolha dessas cores é importante. As mais utilizadas pelos indígenas são o vermelho muito vivo do urucum, o negro esverdeado da tintura do suco do jenipapo e o branco da tabatinga (uma espécie de argila de cor esbranquiçada).

                         
                                                                                            Urucum

Das culturas indígenas, a dos Kadiwéu é a que desenvolveu pintura corporal mais elaborada. Os primeiros registros de sua pintura, que impressionou fortemente os colonizadores europeus, datam de 1560.

Os Kadiwéu

Muito tempo mais tarde, foi analisada também vários estudiosos, entre os quais o antropólogo francês Claude Lévi-Straus (1908-), que esteve entre os indígenas brasileiros em 1935.

Os desenhos dos Kadiwéu são geométricos, complexos e revelam um equilíbrio e uma beleza que impressiona o observador.



De acordo com Lévi-Strauss, "as pinturas do rosto conferem, de início, ao indivíduo, sua dignidade de ser humano; elas operam a passagem da natureza à cultura, do animal 'estúpido' ao homem civilizado. Em seguida, diferentes quanto ao estilo e à composição segundo as castas, elas exprimem, numa sociedade complexa, a hierarquia dos 'status'. Elas possuem assim uma função sociológica.

Além do corpo, que é o suporte próprio da pintura Kadiwéu, os seus desenhos aparecem em vasos e pratos de cerâmica, artefatos de couro, esteiras e abanos, o que faz com que seus objetos domésticos sejam inconfundíveis.

                                                 
                                                                                            Ceramista kadiwéu.



                                                                                       Cerâmica Kadiwéu

O panorama mostrado aqui é apenas um pequena amostra da riquíssima produção artística dos indígenas. Esperamos, por meio dele, ter despertado o interesse do leitor em conhecer mais cobre o assunto.

Fonte; PROENÇA, Graça. História da Arte. São Paulo, 2009. Editora Ática.

3 comentários:

  1. Que riqueza de post!
    Curiosidades e ensinamentos provocantes!
    Nossa cultura que nem sempre valorizamos...
    Abraço.

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  2. Muito lindo, admirável essa pesquisa que aponta tanta riqueza. Muito instigante!
    A arte revela o rico mundo sutil dessas culturas.

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